Conversas entre duas amigas no limite da inadequação

:/

O Xico Sá está aí para você

Amiga,

Ele falou com você hoje e isso deveria valer muito. Pessoas que interessam, algumas delas, já falaram com você: Yuka, Lobão, Zé de Abreu... ou seja, gente que interessa. E eles falaram com você na metade da vida que é real, porque a outra metade é pura projeção.

Eu gostaria de ter respostas para suas inquietações, para as coisas que fazem você querer punir o universo. Não tenho. Não tenho uma análise sequer.

Sei que o mundo não está preparado para os honestos, e aí vem você com sua sinceridade rude (amém!), que você nem desconfia, mas é encantadora.

Hoje eu precisei escrever um discurso e o cliente me fez ler um texto sobre acreditar para puxar a ideia, guiar a linha discursiva. Fiquei pensando que seria tão mais simples se a gente conseguisse acreditar, não é? Mas a gente sabe que isso tudo é fantasia e é aí que a coisa fica feia.

Não saber, realmente, às vezes é bom. Lembro-me das palavras da Frida Kahlo:

"Algum tempo atrás, talvez uns dias, eu era uma moça caminhando por um mundo de cores, com formas claras e tangíveis. Tudo era misterioso e havia algo oculto; adivinhar-lhe a natureza era um jogo para mim. Se você soubesse como é terrível obter o conhecimento de repente – como um relâmpago iluminado a Terra! Agora, vivo num planeta dolorido, transparente como gelo. É como se houvesse aprendido tudo de uma vez, numa questão de segundos. Minhas amigas e colegas tornaram-se mulheres lentamente. Eu envelheci em instantes e agora tudo está embotado e plano. Sei que não há nada escondido; se houvesse, eu veria."

Ver, nem sempre, conforta. Ver nos tira a tranquilidade do sono mesmo, como aconteceu com você. Ver nos guia por mundos intranquilos, distantes de qualquer paz. Você já leu A elegância do Ouriço, de Muriel Barbery. Se não, acho que deveria. Ele desbancou García Márquez e seu Cem Anos de Solidão no meu Top Five. Resumindo, é de longe o melhor livro que eu já li. E veja o que há lá:

“Mesmo para uma pessoa tão inteligente como eu, tão dotada para os estudos, tão diferente dos outros e tão superior à média, a vida já está traçada e é triste de chorar: ninguém parece ter pensado no fato de que, se a existência é absurda, ser brilhantemente bem-sucedido tem tanto valor quanto fracassar. É apenas mais confortável. E mais: acho que a lucidez torna o sucesso amargo, ao passo que a mediocridade espera sempre alguma coisa. (...) Pensando bem, estamos programados para acreditar no que não existe, porque somos seres vivos que não querem sofrer. Então não vamos gastar todas as nossas forças para nos convencer de que há coisas que vale a pena e de que é por isso que a vida tem um sentido. Por mais que eu seja inteligente, não sei quanto tempo ainda vou conseguir lutar contra essa tendência biológica.”

Em algum lugar do caminho, a gente fez a coisa errada. Tomamos a pílula vermelha e agora estamos condenadas à clareza. Que bom. Que ruim.

Mas, de outro modo, duvido que o Xico Sá teria falado com você. Ele também tomou a pílula vermelha, certo? Ele não estaria nem aí para o que você pensa. Mas ele está.

Amo você, amiga!

Fica bem.


Lígia

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